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Todos Diferentes – Todos iguais
A síndrome de Angelman foi descrita, pela primeira vez, em 1965, pelo pediatra H.Angelman, com base na observação de três crianças, não consanguíneas (isto é, sem qualquer parentesco), que apresentavam um défice cognitivo (impropriamente designado por atraso mental ou por deficiência mental) muito grave, “uma marcha de boneca”, uma face característica (ver adiante) e paroxismos (acessos muito intensos) de riso não intencional ou despropositado. Em 1982, C.Williams e J.Frias fazem uma descrição mais completa da síndrome de Angelman e documentam melhor a sua história natural (evolução da doença, com as suas complicações, etc. …) e sugerem que a designação de Síndrome da Boneca Feliz (“Happy Puppet Syndrome”), anteriormente proposta, era inapropriada.

A síndrome de Angelman está associada a uma perturbação (frequentemente, ausência) de material genético de origem materna, localizado no cromossoma 15. Quando, nesta mesma localização cromossómica, há uma alteração do material genético de proveniência paterna, as crianças apresentam outras características físicas e desenvolvimentais e a doença toma a designação de síndrome de Prader-Willi (é uma doença menos grave e que será, oportunamente, objecto de melhor atenção neste mesmo espaço). No mesmo casal, e relativamente aos próximos filhos, parece haver um risco ligeiramente aumentado de recorrência da síndrome de Angelman. Até hoje, não foi referido na literatura qualquer caso de descendência (actividade procriativa) das pessoas com a síndrome de Angelman.

A síndrome de Angelman é bastante rara, mas a sua exacta prevalência (número de casos existentes em determinada população e em certo período de tempo) é desconhecida.

A face das pessoas com a síndrome de Angelman é muito característica: boca grande, maxilar inferior grande (prognatismo mandibular), maxilar superior pequeno (hipoplásico), língua exposta fora da boca, cabeça pequena e achatada na região occipital (microbraquicefalia), cabelo louro (em 65% dos casos descritos) e olhos azuis pálidos (em cerca de 88% dos casos referenciados). Adicionalmente, apresentam ataxia (incoordenação dos movimentos voluntários do corpo, resultante de uma incapacidade para controlar a actividade muscular, por forma a permitir que a execução dos mesmos seja suave), movimentos não intencionais, sacudidos e descontrolados dos braços e uma marcha desarticulada, similar às das bonecas (“puppet-like-gait”).

Relativamente ao desenvolvimento psicomotor, as crianças com síndrome de Angelman apresentam , geralmente, um défice cognitivo muito grave, com marcados atrasos nas aquisições motoras (algumas das crianças com esta síndrome nunca virão a andar, mas uma boa parte conseguirá fazê-lo pelos seis anos de idade, embora com as limitações já apontadas) e linguísticas (na maioria dos casos, não há aquisições verbais ou dizem menos de seis palavras; contudo, parece haver, em certas crianças, uma razoável capacidade para a utilização de gestos).

COMPORTAMENTOS FREQUENTES
Assim, pode-se afirmar que um grande número de crianças, adolescentes e adultos com a síndrome de Angelman tem uma deficiência profunda (é preferível utilizarmos o termo “com deficiência” do que “deficiente”; exemplifiquemos: é mais acertado dizer “as crianças com deficiência que frequentam a escola lá do bairro” do que “as crianças deficientes que frequentam a escola lá do bairro”). Um comportamento muito frequente é o riso paroxístico (acessos de riso incontrolado, despropositado, não intencional e desadequado aos contextos sociais; contrariamente ao que se penava há uns tempos atrás, este riso descontextualizado não está associado a uma sensação de felicidade ou de alegria, mas antes a uma perturbação do tronco cerebral).

Outros achados frequentes são as convulsões (por vezes, muito difíceis de controlar), algumas alterações oftalmológicas (como o estrabismo e a miopia), as dificuldades alimentares nos primeiros anos de vida (recusa alimentar relacionada com a a introdução de novos alimentos e sérias perturbações da mastigação e da deglutição) e as perturbações do sono (pouca necessidade de dormir).

Num caso, pelo menos, foi descrita a associação da síndrome de Angelman ao autismo. Alguns autores assinalam a elevada ocorrência de Pica (tendência para a ingestão persistente de substâncias não utilizadas na alimentação, sem qualquer valor nutritivo ou inapropriadas para os padrões culturais familiares, como são exemplos a terra, o giz, o gelo,…).

A INTEGRAÇÃO
A intervenção na síndrome de Angelman é assaz difícil. A intervenção integrada (isto é, médica, educativa e social) deve ser iniciada o mais precocemente possível. Será útil recorrer à sinalização gestual (quando, por exemplo, se diz bola, deve fazer-se o gesto de bola). Mas a grande ênfase deve ser colocada no desenvolvimento do comportamento adaptativo (diz respeito à maneira como a criança, adolescente ou adulto lida, no quotidiano, com os problemas concretos pessoais e sociais, expressos, por exemplo, pela forma como come à mesa ou atravessa uma passadeira para transeuntes). A integração (hoje, prefere-se o termo inclusão), em todas as suas dimensões, embora constitua um imperativo ético, não é um processo nada fácil. Todavia, deve se feito um grande esforço para que estas crianças, adolescentes e adultos sejam bem aceites, acarinhados e respeitados na família, na escola (regular), na associação desportiva ou recreativa, na rua e em todos os locais, ambientes e circunstâncias. Antes de tudo, são pessoas iguais, no seu interior, a todos nós, embora com muitas diferentes no aspecto exterior ou no comportamento. Sentem, choram, pensam, sofrem e amam como quaisquer outras pessoas (embora numa dimensão naturalmente peculiar). Estas diferenças, muitas vezes interpretadas como incapacidades na nossa sociedade competitiva, egoísta e consumista, não podem gerar uma discriminação ou uma segregação social (quando muito, pode-se defender o conceito de discriminação positiva, por forma a proporcionar às pessoas com dificuldades, incapacidades ou desvantagens um maior número de regalias e atenção social).

A MORTE DOS PAIS
Um problema muito grave, de resto extensível à maioria das pessoas com deficiência de qualquer origem, é o da morte dos pais. Talvez seja o mais grave de todos os problemas sociais e emocionais relacionados com a deficiência, quem é que vai criar, educar, tratar e apoiar as crianças, adolescentes e adultos com deficiência, mormente cognitiva muito grave, após o desaparecimento dos pais? A resposta a esta questão, crucial repito, é dificílima. Num dos próximos artigos, debruçar-me-ei mais profundamente sobre este tema. Contudo, posso desde já afirmar que, na minha opinião, a melhor solução, ao invés do que tem sido proposto e realizado entre nós, é a da reinserção numa família (família de acolhimento remunerada para o efeito), onde possam ser recriados os ambientes naturais e emocionais familiares de origem.